domingo, 30 de dezembro de 2007

CAPÍTULO VII

Sim, é verdade. Não sou flor que se cheire. Tenho os meus podres e espinhos como qualquer um desses risonhos canalhas que esta cidade tanto aplaude e bajula. A diferença, no entanto, é que não vivo posando de íntegro e honrado através dos veículos de imprensa. Não me presto a esse tipo de coisa. Sou um mau-caráter e acabou-se. Ovelha negra, persona non grata, espécie de leproso que esta gente hipócrita lastima e repele.

Meu nome não figura nos rapapés das colunas de aluguel. Não tenho espaço nessas pútridas seções da imprensa louvaminheira. Mesmo porque não disponho de presentinhos com que possa conquistar a simpatia dessa laia de vendidos. Pusilânimes safados! Olham-me assim como a um marginal, um cão sarnento, um percevejo humano. Não, definitivamente não! Aqui ninguém me aprova. Receiam o gênio atrabiliário dos Rosendos. Porque todos têm um preço, uma etiqueta, um código de barras.

Amigos que freqüentavam minha casa pelo menos uma vez por semana, movidos por grandes afinidades e efusiva bonomia, hoje passam ao largo deste endereço proibido. Riscaram dos seus mapas afetivos o bairro do Cantagalo e o Beco da Lamparina.

Desapareceram daqui, entre outros, o poeta Gotardo Ladeira, o cantor Fernando Cunha, a cronista Eneida Santos, o pintor José Mesquita, a doutora Cíntia Freire, o juiz Alfredo Gomes e o bancário Ernesto Mota. Elementos de boa conduta, com relevo na sociedade e destaque na vida intelectual do município. Profissionais bem-sucedidos, homens e mulheres romanticamente dominados pelo micróbio da literatura.

Tudo muito bonito. Tudo na maior confluência. Muita empatia e reciprocidade. A arte vencendo barreiras, alargando horizontes e aproximando corações. Súbito, de repente feito um mal incurável, toda essa nata de letrados picou a mula. Escafedeu-se.

É verdade que nem todos tomaram chá de sumiço; alguns ainda aparecem vez por outra com sincera benquerença e disfarçado receio. Já outros, talvez por mera precaução, colocaram películas escuras nos vidros dos carros e só costumam vir à noite.

É que não desejam abespinhar a ditadura cor-de-rosa. Temem a sanha dos Rosendos. Vai para um século que essa gente deita e rola nesta cidade. E hão de continuar por muito mais tempo. Alternam-se no poder com extrema habilidade e inigualável desempenho. Suas digitais estão em tudo o que é de orgia e depravação com o dinheiro público. Alastram-se pelo tecido econômico do município como terrível metástase. E o povo se rende à gatunagem, mostra-se passivo, seviciado, sucumbido perante o regime torpe e discricionário da grande malta de picaretas.

Pois a família Rosendo não encontra a menor resistência à sua avassaladora escrita de monopólio e mandonismo político. Os que se dizem de esquerda são todos bidestros, giletes, cortam dos dois lados e atuam apenas como moedas de troca, vendendo-se despudoradamente nos períodos de eleição como putas de beira de estrada. Em Mossoró, portanto, os herdeiros do patriarca Juvêncio Rosendo não temem nem mesmo a Deus na disputa pelo pelos currais de eleitores. Desempenham, a um só tempo, os papéis de governo, de oposição e, num cúmulo de cinismo e descaramento, ainda há Rosendo que se apresenta ao eleitorado como alternativa.

Safadeza! E Mossoró não reage. Aceita o descalabro, permite a sangria de suas riquezas, coaduna com o desvirtuamento de sua história. Um povo que se habituou à canalhice, que perdeu a capacidade de se indignar. Os Rosendos mandam e desmandam. Casam e batizam. Deitam e rolam. Não há heróis nem resistentes. Mossoró está imersa na mais aguda corrupção, entregue à bandalheira, dominada por mãos infames.

Confiante na impunidade, o falecido deputado Vasco Rosendo, entre um porre e outro, colocava os órgãos genitais para fora das calças e mijava em plena via pública. Feito um cão vadio que demarcasse o seu território. E nunca jamais esse pústula sofreu qualquer admoestação por parte de um delegado de polícia ou juiz de direito destes cafundós-do-judas. Ao contrário, os homens da lei sempre prestigiavam as pândegas e rega-bofes que o poderoso deputado costumava promover em sua residência de praia.

Não costumo dar palpite em política, até por uma questão de higiene mental, mas não posso silenciar, fazer de conta que não tenho nada a ver com isso. Todos somos responsáveis (ou irresponsáveis) pelos governos que aí estão, por cada um desses vampiros e sanguessugas do erário mossoroense. Não é possível que uma cidade como esta, com fama de valente e libertária, permaneça insensível diante de toda essa libertinagem que os Rosendos políticos (sem exceção!) vêm praticando com a verba pública.

Pois o momento é grave, gravíssimo! Ou esse povo se dá ao respeito ou isto aqui se transforma de uma vez por todas em casa-da-mãe-joana, num prostíbulo institucionalizado, mantido e nutrido a expensas do contribuinte mossoroense, do cidadão honesto e trabalhador.

Escrevo estas impressões ignorando conseqüências. Mas estou certo de que mais cedo ou mais tarde sofrerei na pele a ira dos poderosos. Terei o meu nome atacado e combatido em qualquer esquina desta urbe. Os remoques despencarão sobre mim como chuva de canivetes. Não é possível criticar uma gente dessa esfera e permanecer incólume. De toda parte surgirá um Lacaio Diniz querendo tomar as dores por essa cambulha de gabirus e ratazanas que saqueiam os cofres públicos. Outros há que seguirão o mesmo comportamento agressivo e bajulatório de Lacaio Diniz.

Indivíduos amorfos, de índole mexeriqueira e mentes tacanhas, alheios à própria basbaquice e pequenez, não hesitarão em tomar parte nessa escrota campanha de marginalização que os Rosendos vêm movendo contra mim nos últimos seis meses.

Em sua coluna no Jornal Putrefato, em troca de um maço de cigarros e de uma xícara de café, arrimado em conceitos caducos e frases de lana-caprina, o cronista e gramaticóide Gonçalo Formiga, das figuras mais contraditórias e venais da intelectualidade mossoroense, deve sair-se com provocações dessa natureza:

— Eu, de minha parte, não dou ouvidos a ignorantes. Não gasto vela de boa cera com defunto ruim. Porém concordo que esse pistoleiro da escrita está merecendo uma lição. — dirá finalmente com a moralidade e o bovarismo das prostitutas que negociam pequenos prazeres e falsos orgasmos nos ignóbeis conventilhos do Alto do Louvor.

Amoitados na Gazeta de Negócios, sem esmeros de sintaxe nem floreios gramaticais, Mário Mosca, Luís Rola-Bosta e Gilberto Barata não pouparão insultos nem exclamações. Farão minha caveira perante o público leitor, fabricarão calúnias de toda espécie e posarão de moralistas. Na Tribuna Mossoroense, dando o bote e escondendo a unha, o chefe de redação Augusto Cigarra atiçará a sua matilha de cães teleguiados.

Entre esses, disposto a latir e a morder, encontra-se o diretor administrativo Adalberto Medeiros. Gerentezinho de merda, sujeito medíocre e descuidista profissional, esse bunda-suja publicará na edição de domingo um daqueles artigos cretinos que parece redigir com os dedos dos pés.

— Alma sebosa!

Não esqueço as humilhações, o assédio moral que experimentei sob as vistas daquele tiranete de uma figa. Três anos como revisor de textos e repórter de cultura na Tribuna Mossoroense. Nunca fui tão humilhado, tão oprimido. A cretinice e o despotismo de Adalberto Medeiros deixaram marcas profundas e interferiram de maneira brutal na minha personalidade. Chegará o momento daquele déspota!

Deixem estar.