domingo, 30 de dezembro de 2007

CAPÍTULO VII

Sim, é verdade. Não sou flor que se cheire. Tenho os meus podres e espinhos como qualquer um desses risonhos canalhas que esta cidade tanto aplaude e bajula. A diferença, no entanto, é que não vivo posando de íntegro e honrado através dos veículos de imprensa. Não me presto a esse tipo de coisa. Sou um mau-caráter e acabou-se. Ovelha negra, persona non grata, espécie de leproso que esta gente hipócrita lastima e repele.

Meu nome não figura nos rapapés das colunas de aluguel. Não tenho espaço nessas pútridas seções da imprensa louvaminheira. Mesmo porque não disponho de presentinhos com que possa conquistar a simpatia dessa laia de vendidos. Pusilânimes safados! Olham-me assim como a um marginal, um cão sarnento, um percevejo humano. Não, definitivamente não! Aqui ninguém me aprova. Receiam o gênio atrabiliário dos Rosendos. Porque todos têm um preço, uma etiqueta, um código de barras.

Amigos que freqüentavam minha casa pelo menos uma vez por semana, movidos por grandes afinidades e efusiva bonomia, hoje passam ao largo deste endereço proibido. Riscaram dos seus mapas afetivos o bairro do Cantagalo e o Beco da Lamparina.

Desapareceram daqui, entre outros, o poeta Gotardo Ladeira, o cantor Fernando Cunha, a cronista Eneida Santos, o pintor José Mesquita, a doutora Cíntia Freire, o juiz Alfredo Gomes e o bancário Ernesto Mota. Elementos de boa conduta, com relevo na sociedade e destaque na vida intelectual do município. Profissionais bem-sucedidos, homens e mulheres romanticamente dominados pelo micróbio da literatura.

Tudo muito bonito. Tudo na maior confluência. Muita empatia e reciprocidade. A arte vencendo barreiras, alargando horizontes e aproximando corações. Súbito, de repente feito um mal incurável, toda essa nata de letrados picou a mula. Escafedeu-se.

É verdade que nem todos tomaram chá de sumiço; alguns ainda aparecem vez por outra com sincera benquerença e disfarçado receio. Já outros, talvez por mera precaução, colocaram películas escuras nos vidros dos carros e só costumam vir à noite.

É que não desejam abespinhar a ditadura cor-de-rosa. Temem a sanha dos Rosendos. Vai para um século que essa gente deita e rola nesta cidade. E hão de continuar por muito mais tempo. Alternam-se no poder com extrema habilidade e inigualável desempenho. Suas digitais estão em tudo o que é de orgia e depravação com o dinheiro público. Alastram-se pelo tecido econômico do município como terrível metástase. E o povo se rende à gatunagem, mostra-se passivo, seviciado, sucumbido perante o regime torpe e discricionário da grande malta de picaretas.

Pois a família Rosendo não encontra a menor resistência à sua avassaladora escrita de monopólio e mandonismo político. Os que se dizem de esquerda são todos bidestros, giletes, cortam dos dois lados e atuam apenas como moedas de troca, vendendo-se despudoradamente nos períodos de eleição como putas de beira de estrada. Em Mossoró, portanto, os herdeiros do patriarca Juvêncio Rosendo não temem nem mesmo a Deus na disputa pelo pelos currais de eleitores. Desempenham, a um só tempo, os papéis de governo, de oposição e, num cúmulo de cinismo e descaramento, ainda há Rosendo que se apresenta ao eleitorado como alternativa.

Safadeza! E Mossoró não reage. Aceita o descalabro, permite a sangria de suas riquezas, coaduna com o desvirtuamento de sua história. Um povo que se habituou à canalhice, que perdeu a capacidade de se indignar. Os Rosendos mandam e desmandam. Casam e batizam. Deitam e rolam. Não há heróis nem resistentes. Mossoró está imersa na mais aguda corrupção, entregue à bandalheira, dominada por mãos infames.

Confiante na impunidade, o falecido deputado Vasco Rosendo, entre um porre e outro, colocava os órgãos genitais para fora das calças e mijava em plena via pública. Feito um cão vadio que demarcasse o seu território. E nunca jamais esse pústula sofreu qualquer admoestação por parte de um delegado de polícia ou juiz de direito destes cafundós-do-judas. Ao contrário, os homens da lei sempre prestigiavam as pândegas e rega-bofes que o poderoso deputado costumava promover em sua residência de praia.

Não costumo dar palpite em política, até por uma questão de higiene mental, mas não posso silenciar, fazer de conta que não tenho nada a ver com isso. Todos somos responsáveis (ou irresponsáveis) pelos governos que aí estão, por cada um desses vampiros e sanguessugas do erário mossoroense. Não é possível que uma cidade como esta, com fama de valente e libertária, permaneça insensível diante de toda essa libertinagem que os Rosendos políticos (sem exceção!) vêm praticando com a verba pública.

Pois o momento é grave, gravíssimo! Ou esse povo se dá ao respeito ou isto aqui se transforma de uma vez por todas em casa-da-mãe-joana, num prostíbulo institucionalizado, mantido e nutrido a expensas do contribuinte mossoroense, do cidadão honesto e trabalhador.

Escrevo estas impressões ignorando conseqüências. Mas estou certo de que mais cedo ou mais tarde sofrerei na pele a ira dos poderosos. Terei o meu nome atacado e combatido em qualquer esquina desta urbe. Os remoques despencarão sobre mim como chuva de canivetes. Não é possível criticar uma gente dessa esfera e permanecer incólume. De toda parte surgirá um Lacaio Diniz querendo tomar as dores por essa cambulha de gabirus e ratazanas que saqueiam os cofres públicos. Outros há que seguirão o mesmo comportamento agressivo e bajulatório de Lacaio Diniz.

Indivíduos amorfos, de índole mexeriqueira e mentes tacanhas, alheios à própria basbaquice e pequenez, não hesitarão em tomar parte nessa escrota campanha de marginalização que os Rosendos vêm movendo contra mim nos últimos seis meses.

Em sua coluna no Jornal Putrefato, em troca de um maço de cigarros e de uma xícara de café, arrimado em conceitos caducos e frases de lana-caprina, o cronista e gramaticóide Gonçalo Formiga, das figuras mais contraditórias e venais da intelectualidade mossoroense, deve sair-se com provocações dessa natureza:

— Eu, de minha parte, não dou ouvidos a ignorantes. Não gasto vela de boa cera com defunto ruim. Porém concordo que esse pistoleiro da escrita está merecendo uma lição. — dirá finalmente com a moralidade e o bovarismo das prostitutas que negociam pequenos prazeres e falsos orgasmos nos ignóbeis conventilhos do Alto do Louvor.

Amoitados na Gazeta de Negócios, sem esmeros de sintaxe nem floreios gramaticais, Mário Mosca, Luís Rola-Bosta e Gilberto Barata não pouparão insultos nem exclamações. Farão minha caveira perante o público leitor, fabricarão calúnias de toda espécie e posarão de moralistas. Na Tribuna Mossoroense, dando o bote e escondendo a unha, o chefe de redação Augusto Cigarra atiçará a sua matilha de cães teleguiados.

Entre esses, disposto a latir e a morder, encontra-se o diretor administrativo Adalberto Medeiros. Gerentezinho de merda, sujeito medíocre e descuidista profissional, esse bunda-suja publicará na edição de domingo um daqueles artigos cretinos que parece redigir com os dedos dos pés.

— Alma sebosa!

Não esqueço as humilhações, o assédio moral que experimentei sob as vistas daquele tiranete de uma figa. Três anos como revisor de textos e repórter de cultura na Tribuna Mossoroense. Nunca fui tão humilhado, tão oprimido. A cretinice e o despotismo de Adalberto Medeiros deixaram marcas profundas e interferiram de maneira brutal na minha personalidade. Chegará o momento daquele déspota!

Deixem estar.

domingo, 23 de dezembro de 2007

CAPÍTULO VI

Apesar da noite maldormida, entremeada de inquietações e sobressaltos, levantei-me cedo. Algo raro no meu dia-a-dia. Dificilmente consigo me despregar da cama antes das sete. Hoje, porém, mal o sol raiou no horizonte, coloquei-me de pé e fui ao banheiro urinar. Os ferimentos do antebraço e cotovelo me provocam um certo incômodo. O mertiolate que Alice aplicou sobre as lesões parece ter qualquer influência nesse sentido.

Não foi sem sacrifício que fiz a barba esta manhã. O mais leve contato com a água chega a ser desagradável. Tento reconstruir na memória as feições da moça do vestidinho azul. Mas é inútil. Acredito que nunca mais a reveja. A crise de ontem não foi a primeira. Em janeiro deste ano passei por semelhante infortúnio. Receio que isto se torne rotina. Felizmente, a dor de cabeça desapareceu. Além das arranhaduras no braço direito, há uma outra, bem menor, no dedo mindinho da mão esquerda.

São agora oito e meia. Eu estava ali diante daquele caco de espelho havia pelo menos trinta minutos. Investigava com a ponta dos dedos os locais que ainda necessitavam o toque da lâmina. Nisso ocorreu-me lembrar que exatamente hoje, treze de novembro de dois mil e sete, completa-se um ano que fui expelido da Biblioteca Municipal Aroldo Rosendo.

Recordação estúpida, é verdade, mas logo dei a barba por concluída e aqui me encontro batendo nas teclas do computador feito alguém que se entregasse a um vício. Creio mesmo que dos meus olhos saltam faíscas. Empolga-me considerar que finalmente isto possa dar certo.

— Um romance!

Ainda assim haverá complicações, represálias e ameaças de todo tipo. Ninguém se mete numa coisa dessas e fica impune. O rosendismo tem muitas catapultas, enormes tentáculos com que me buscará atingir. Possui cães de briga em toda parte, asseclas e capachos que investirão contra mim cega e furiosamente. Lacaio Diniz é um desses capachos. Voltará à carga com outros insultos, me chamando de vil e arrogante.

Não que eu pretenda ocultar os meus podres a qualquer custo. Não é isso. Sou um percevejo humano e reconheço o meu charco moral. Mas quem aquele sabujo pensa que é para querer tripudiar sobre mim? Macaco não olha o próprio rabo, eis a questão.

— Um vagabundo! — dirá ele num verso fuleiro.

Terra miserável.

Sentirei receios. Virão as perplexidades, os momentos de angústia, as horas de incerteza, os dias e as noites de solitário desespero. A sensação de fracasso rondando cada parágrafo, ameaçando o fluxo da narrativa. O Nelson Correia, a quem talvez eu submeta dois ou três capítulos, dirá franzindo a testa e coçando o enorme queixo de tubarão-martelo:

— Olha, meu rapaz, isto aqui até que possui umas coisas bem escritas, mas o núcleo da história, o tema central, é que não desperta interesse. Parece-me gratuito. Por que você, ao invés de tentar consertar estes períodos, não escreve um romance que tenha como pano de fundo o ataque de Lampião a Mossoró? Pronto, aí está um assunto interessante.

Ora, que se danem Lampião e a fátua história de bravura desse povo! Não acrescentarei mais uma vírgula a essa diarréia mental. Será possível que tudo nesta cidade tenha que findar em chuva de bala e pirotecnia?! Para o diabo com a pantomima!

Mas o meu crítico tem razão. O assunto que abordo não é nada atrativo. Muito menos agradável. De qualquer modo empregarei os recursos de que disponho para dizer como se deu a minha saída da Biblioteca. Narrarei nalgum momento o diálogo que mantive naquele dia com o todo-poderoso Narciso Rosendo. Para que saibam logo, esse biltre filho-da-puta é secretário chefe de gabinete e irmão da prefeita Gioconda Rosendo.

Foi dali de uma daquelas salas do Palácio da Sonolência que os donos de Mossoró me puseram no olho da rua, há exatos doze meses.

domingo, 16 de dezembro de 2007

CAPÍTULO V

Vejo que isto talvez progrida. Mas durante muito tempo não digitei uma só palavra, as palmas das mãos posicionadas junto ao teclado, as pontas dos dedos transpirando sobre os símbolos gráficos, a mente infértil.

Outra vez se apoderava de mim a velha sensação de vazio. O primeiro entusiasmo se havia perdido entre a pia do banheiro e este quarto, que também utilizo como gabinete de trabalho. Foi o único espaço da casa onde me foi possível acomodar a escrivaninha. Pelo mesmo motivo veio parar aqui a diminuta estante de livros. Cerca de trezentos volumes, dos quais talvez não se possa extrair cinqüenta por cento de boa literatura.

Na prateleira dos autores potiguares, cada vez mais reduzida, mantenho algumas obras que julgo apreciáveis. Mesmo assim não vão além dos quarenta títulos.

Salvo raríssimos exemplos, nossa literatura é uma completa vergonha. Faz-se representar por indivíduos cujo valor artístico não pode ser visto a olho nu. Ainda assim, em meio a gênios boçais e sumidades histriônicas, os impressos abundam nas gráficas e livrarias do Estado numa rapidez assombrosa. Especialmente em Mossoró, onde a vaidade de falsos mecenas e pretensos homens de letras alcança níveis estratosféricos.

Engajados nessa tola perseguição por recordes fantasiosos e troféus auto-oferecidos, escritores e editores mossoroenses publicam toda sorte de apedeutismos literários. Trabalho feito nas coxas, sem a mais mínima responsabilidade nem senso do ridículo. Indivíduos há que sequer o próprio nome conseguem grafar corretamente na capa de suas publicações.

Um cachorro como o dublê de poeta Lacaio Diniz, por exemplo, é autor de burundangas impressas que andam aí pela quarta ou quinta edição. Tudo feito a expensas da Cooperativa Mossoroense de Escritores, da qual é secretário executivo para assuntos de picaretagem e superfaturamento de notas orçamentárias.

Tais falcatruas geralmente acontecem através de ‘arrumadinhos’ que o desonesto esfolador da arte poética vem mantendo com determinado chefe de oficina gráfica da cidade. São engodos e traficâncias dessa natureza que pretendo relatar mais cedo ou mais tarde.

Pois agora esse indivíduo, que até ontem se dizia meu amigo, passou a endereçar-me desaforos na tira de jornal que assina na Tribuna Mossoroense. Isso porque há dois ou três meses publiquei um artigo criticando a política de lama e lodo dos Rosendos. Daí o bobinho da corte municipal tomou para si dores alheias e investiu contra mim com um daqueles sonetos que de tempos a tempos ele teima em cometer.

Falo assim não apenas por causa das ofensas que me dirigiu, mas também por acreditar que mereço coisa melhor. Pois Lacaio Diniz, enquanto sonetista, é um exímio puxa-saco. Espera firmar-se como intelectual nesta província osculando os testículos dos Rosendos.

— Pobre-diabo!

Bem, mas eu falava que tinha perdido metade do entusiasmo que ainda agora me fizera correr do banheiro para esta cadeira aqui no quarto. É que toda e qualquer inquietação desse tipo, de ordinário fugidia, termina por dissipar-se tão logo eu me sente para escrever. Estou acostumado. Foram muitos os alarmes falsos que me apareceram nestes últimos dois anos. Mas eis que recomeço a sentir as palavras faiscando na cabeça. Busco dominar o raciocínio, exercito a memória, e as idéias pouco a pouco se vão articulando na página fluorescente do computador.

Neste momento me encontro inteiramente só. Alice deve ter ido ao mercadinho, onde costuma fazer pequenas compras. Logo estará de volta com alguma coisa com que engendrará o almoço. No mais das vezes, sabendo que fiquei até horas mortas pregado nesta cadeira, tranca a porta sem fazer barulho e me deixa dormindo.

Não foi o que sucedeu à noite de ontem. Cheguei pouco depois das nove e devo ter adormecido por volta das dez e meia. Alice tratou dos meus ferimentos sem exigir-me explicações. Concordou que hoje pela manhã conversaríamos a esse respeito. A verdade, no entanto, é que não há muito o que eu possa explicar a Alice. Eu mesmo não tenho qualquer certeza do que possa estar se passando.

Sinto-me febril e levemente zonzo. Talvez este ímpeto criador não tenha vindo no momento mais oportuno. Mas temo suspender a redação e nunca mais conseguir levá-la adiante. Preciso ao menos concluir este capítulo, que vou engordando sem maiores complicações. Além da tontura e da sensação de febre, meus olhos começam a arder. Penso que um banho frio pudesse atenuar o desconforto.

Olho em volta e examino a pouca mobília, já bastante enfraquecida por anos de uso. O guarda-roupa perdeu uma das quatro portas. O ventilador, agora imóvel sobre um tamborete, geme horrores durante a noite. Com o zíper rompido, a sapateira de napa marrom continua escancarada. Já a cama, esse ninho de que resultam insônias e pesadelos, tem o lastro apoiado com tijolos e o colchão estragou-se todo em ambas as faces.

O mais permanece no seu desalinho matinal: os travesseiros ainda conservam a marca das cabeças que ali se deitaram; uma ponta do lençol resvala sobre o cimento crespo, levemente agitada pela brisa que se filtra através das rótulas da janela.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

CAPÍTULO IV

Como de costume, o Beco da Lamparina se encontrava às escuras. Há cerca de dois meses o único poste aqui existente está com a lâmpada queimada. Algo irônico para um beco que tem um nome desses. Mas acontece que os vândalos que trafegam por estes arrabaldes parecem ter ódio à luz e horror à claridade. Como no soneto de Florbela.

Experimentei uma enorme sensação de alívio assim que botei o pé no terreiro de casa. Imagino que minhas forças não bastassem para mais cinqüenta ou cem metros de caminhada. Um cão que dormitava junto ao muro debandou com a minha presença.

Lívido, o suor escorrendo pelas têmporas frias, abri calmamente o portão e tornei a fechá-lo com a mesma vagareza. A porta estava aberta. Encontrei Alice diante da televisão, vendo a novela.

— Mas já? — comentou sem retirar os olhos da tevê — Pensei que só voltasse depois das onze. Agora que são nove e meia...

— Tive que sair mais cedo; aconteceu aquilo de novo. — disse e fui passando para o quarto.

Alice despregou-se do sofá e veio atrás de mim. Ainda não se tinha apercebido da minha situação. Somente quando acendi a luz foi que notou o meu estado deplorável.

— Meu Deus!... — murmurou com os olhos arregalados, segurando entre as mãos as bochechas muito pálidas.

— Como foi isso?

— Ralei-me na queda.

— De que jeito? Diga exatamente o que houve.

— Depois. Agora não me sinto bem; preciso tomar um banho.

— Vou pegar uma toalha.

Sentia-me realmente exausto; despi-me com vagar e desânimo. Foi nesse minuto que me ocorreu escrever alguma coisa, embora não compreendesse o que seria. Pendurei a calça no armador junto à porta e estendi a camisa no encosto da cadeira, ainda úmida do vômito e da água que me haviam deitado sobre a cabeça no ponto de ônibus.

De repente, próximo à janela, explodiu a laúza corriqueira dos gatos em suas danações dentro da noite periférica. Assustei-me com a tropelia dos felinos. Um vigia apitou no beco, a plenos pulmões. Outro o imitou nalguma rua distante. Empurrei os sapatos para debaixo da cama e calcei as sandálias de borracha.

Alice retornou com a toalha, que fora apanhar no arame do quintal. Os seus olhos, grandes por natureza, continuavam aboticados:

— Darei uma olhada nesses ferimentos quando você voltar do banho. Ali na caixa dos remédios deve ter algo que sirva. — disse-me com voz enternecida. Não duvido que aquela frase diligente buscasse esconder um princípio de choro. Embora não me deseje mais como homem, Alice manifesta por mim um profundo respeito e admiração.

Atravessei a sala enrolado na toalha.

— Vou esquentando o seu jantar.

— Não quero comer.

— Mas precisa... — argumentou — Faça um esforço. Não pode é ficar de estômago vazio.

— Deixe ver se melhoro.

Segui para o banheiro, que fica fora da casa, pegado ao alpendre da cozinha. Acompanhou-me até ali a desagradável lembrança do relógio. Não se tratava de nenhum Rolex, é claro, mas tinha o seu valor sentimental. Minha esposa o comprara na época em que trabalhava na Riachuelo, o nosso namoro ainda pelo quarto mês.

Debaixo do chuveiro, como geralmente ocorre, senti uma discreta excitação me intumescendo o membro. Envolvi-o com farta espuma, senti-o deslizar na palma da mão, avolumar-se entre os dedos e enrijecer feito um músculo de atleta. A imagem de Ramona apareceu-me ali, lúbrica, voluptuosa. Recordei-lhe os seios firmes, as nádegas cheias. Embalde. Ramona se tinha distanciado bastante. Além disso, nas condições em que me via, não pude dar seqüência ao solitário exercício.

Quando retornei, um tanto menos acabrunhado, Alice providenciou um paliativo para as minhas chagas. Mas não toquei na comida que havia numa panela em cima da mesa.

— Fiz aquela sopinha que você gosta.

Não adiantou. Murmurei uns argumentos e consegui trocar a sopa por uma xícara de chá. Depois me enfiei no quarto, apaguei a luz e me estendi na cama. Nisso voltei a refletir sobre a necessidade de escrever estas linhas. Alice demorou-se organizando a cozinha e eu adormeci em meio a lucubrações, tomado por um enorme desejo de vingança.

— Um romance!

sábado, 1 de dezembro de 2007

CAPÍTULO III

Desci na parada em frente ao escritório da Varig. Estudei por algum tempo o fluxo dos automóveis e atravessei. Vim com passos malseguros, claudicando pela Rui Barbosa. Dali até o Beco da Lamparina, no bairro de Pedregulho, levaria mais quinze minutos.

Na esquina do educandário Arco-íris, bem defronte ao terreno em que a meninada costumava bater uma bolinha nos finais de tarde, deparei-me com o gigantesco outdoor da prefeitura, que não estava ali quando passei pela manhã. Na fotografia, com ar de boazinha e sorriso teatral, a prefeita Gioconda Rosendo pegava carona na propaganda de uma obra a que vergonhosamente intitularam de Praça Qualquer-Um-Rosendo.

— Palhaçada!

Meu sangue ferveu e custei a crer no que meus olhos viam. Era a mais nova presepada, a mais nova troça, a mais nova chacota dos Rosendos contra o povo de Mossoró. As máquinas da Secretaria de Urbanismo e Obras já haviam iniciado a terraplanagem e uma fileira de tapumes se tinha erguido numa das margens da rua paralela.

Num período de oito a dez meses, conforme li no imenso cartaz, a tal Praça Qualquer-Um-Rosendo há de ser concluída. Foi a maneira (nada democrática) que a senhora Gioconda Rosendo encontrou para prevenir a todos que aquela obra está oficialmente destinada a servir de homenagem a mais um integrante de sua família.

Eleita sob o signo da leviandade partidária, à custa da bandalheira e da negociata, dona Gioconda é o máximo exemplo do embuste, uma piada de mau gosto. Do ponto de vista técnico, a risonha e risível mulher apresenta o mesmo senso administrativo de uma samambaia. Seu quociente de inteligência é duas vezes inferior ao da mula-sem-cabeça.

Não há na cena política do Estado personagem mais obtusa. Enquanto alguns indivíduos recorrem à cirurgia de redução de estômago para evitar complicações perante a balança, a prefeita de Mossoró parece ter optado pela redução de massa encefálica. Não bastasse isso, a Excelentíssima tem uma assessoria de comunicação que é uma lástima. Logo no seu discurso de posse, querendo afetar humildade, a infeliz oradora declarou:

— Eu sou uma prefeita ninfeta!

Tadinha, a Brooke Shields mossoroense queria mesmo era dizer neófita. Então, a começar pela autoridade máxima deste município, não será difícil avaliar-se o nível intelectual dos que dominam política e financeiramente esta cidade.

Súcia de parasitas!

Nunca ofereceram a esta terra sequer um único nome de que realmente pudéssemos nos orgulhar. Mesmo nascidos em berço de ouro, estudando sempre nas melhores escolas e galardoados com o turismo internacional desde criancinhas, jamais um Rosendo saído destes confins conseguiu ultrapassar os umbrais da própria mediocridade.

Todos, de um modo ou de outro, se especializaram apenas em tirar vantagem da condição política de que a família sempre se beneficiou. São mestres em dilapidar o patrimônio público, em trair o povo humilde, em se nutrir da boa-fé das pessoas feito uma praga de gafanhotos que se precipita sobre uma plantação de milho.

Sim. Exatamente.

Jamais nenhum Rosendo notabilizou-se além fronteiras potiguares como um artista importante, um escritor consagrado, um poeta de escol, um ator famoso, uma atriz de renome, um atleta campeão, um prócer da ciência, um gênio da raça... Não. De jeito algum. Porque só aprenderam mesmo foi a arte de roubar, de mentir, de enganar, de fingir, de corromper. Nunca trouxeram à luz um grande esteta, um bom filólogo, um beletrista, um ás da física, uma glória da música, um talento nacional.

Nada!

Ao invés, preferiram a vida fácil das sinecuras, o regaço do nepotismo e o torpe mister dos colarinhos-brancos. Porque são todos ladrões, exímios picaretas, sanguessugas descarados, formadores de quadrilha, assaltantes da dignidade e da esperança de toda uma gente.

É dessa casta deletéria que provém Gioconda Rosendo. Ei-la debruçada sobre as questões do executivo municipal com a mesma desenvoltura e eficiência com que uma mula coiceira desfilasse sobre uma pista de gelo. O pior é que ninguém parece dar a mínima para os coices e relinchos da senhora prefeita. Os Rosendos degeneram a olhos vistos, mas não soltam as tetas do erário. Até porque não existe oposição. Sequer há resistência. Mossoró é uma terra sem lei, sem ordem e sem progresso. A demagogia, os subornos, a politicagem e o nepotismo prevalecem.

Aqui e acolá, como querendo certificar-se da própria inutilidade, o Ministério Público faz vista grossa, emite uns resmungos, mas termina por enfiar o rabo entre as pernas. A OAB local, espécie de prostituta dos Rosendos políticos, também prevarica. É que metade dos seus sócios está na folha de sinecuras do município. De resto, infelizmente, ninguém diz um pio. A imprensa toda rodando a bolsinha na calçada da prefeitura. O reitor Cláudio Manso atolado na desfaçatez. O edil Júlio França comendo bola na Câmara. Padre Dionísio cuspindo o microfone da rádio.

Magote de venais!

— Eu sou uma prefeita ninfeta!

E houve quem aplaudisse.

sábado, 24 de novembro de 2007

CAPÍTULO II

Olhei com desgosto o meu pulso esquerdo, de onde desaparecera o relógio que Alice me havia dado quando completei trinta e dois anos. Indignou-me pensar que o tivessem subtraído de mim durante o tempo em que estive desacordado.

Abanei a cabeça para esquecer o relógio, que estava sem jeito. Esforcei-me por recordar a moça do vestidinho azul. De onde teria saído, nestes tempos de cólera, alma tão piedosa?...

O vento que entrava pela janela me remexia os cabelos, contribuía para enxugar a camisa molhada de vômito. Ainda restava o mau cheiro entranhado no tecido. A senhora gorda que havia sentado junto a mim quinze minutos atrás decidiu-se por continuar o resto da viagem em pé.

Observei que de quando em quando ela atirava em minha direção um olhar de repulsa. Deduzi que houvesse respirado algum aroma inconveniente. Encolhi-me no banco.

Das afecções que me haviam lançado por terra, persistiam o embrulho no estômago e a dor de cabeça. Os solavancos do veículo aumentavam o mal-estar. Também a musculatura dos ombros até o pescoço ardia feito brasa. As mãos continuavam ligeiramente trêmulas; um princípio de cãibra se agitava na panturrilha direita.

O ônibus ia cruzando a ponte Juvêncio Rosendo. Lá embaixo, numa e noutra margem do rio, em meio à imundície e à treva, enxerguei o foco miúdo das luminárias de querosene que clareavam precárias habitações. Um mocambo de trinta a cinqüenta casebres de pau-a-pique, folhas-de-flandres e tábuas apodrecidas.

Naquele ponto, como sabem os de Mossoró, degrada-se uma gente miserável que políticos malandros desta cidade prometem assistir a cada eleição que se aproxima. O próprio rio, outrora de águas límpidas e de boa pesca, hoje agoniza em conseqüência da empulhação administrativa.

O carro prosseguia na Presidente Dutra, já nas imediações da concessionária Honda. Uma estudante que subiu no ponto dos Correios, de cabelos escuros e óculos pequenininhos, recordou-me a moça do vestido azul. Tal lembrança mexeu comigo, apertou-me o coração. Pensei no relógio que me roubaram e senti vontade de esculachar a todos, especialmente a senhora gorda, que me olhava com repugnância.

— Gentalha escrota!

Possuo esses acessos de irritação. Sou hoje um homem desagradável, um tipo mau-caráter, extremamente revoltado e nada tolerante. Perdi aquela ternura que eu tinha, aquele sorriso franco, aquela vocação à alegria e o pendor à concórdia. Esta cidade me fez assim: um poço de revolta. Não hesitarei em desancar essa corja bem nutrida e rosada. Que me aguardem os piratas da imprensa, as múmias da Academia, a grã-finagem toda, os figurões intocáveis, os queridinhos e os percevejos da alta-roda.

Aqui, entrançando por gabinetes, escritórios e ante-salas do oficialismo, jornalistas de aluguel negociam matérias abertamente como verdadeiras prostitutas no baixo meretrício da informação, atuando no grosso e no varejo da notícia. Os jornais estão cheios dessa escória.

Vigaristas como Gilberto Barata, Luís Rola-Bosta e Mário Mosca infestam a Gazeta de Negócios. No Correio do Alarde há o Walter Bicudo, o Juarez Galeno e o Chagas Silveira. A Tribuna Mossoroense continua com Augusto Cigarra, Álvaro Medeiros, Pedro Mutuca e Lacaio Diniz. No Jornal Putrefato, apesar da fedentina, segue a vida fácil de Leonardo Santana, Ananias Pequeno, Wanderlei Marinho, Cipriano Raposo e Gonçalo Formiga.

— Ruma de patifes!

Ali no ônibus, entretanto, não esculachei ninguém, mantive a minha fúria no plano das intenções. Aliviei-me num suspiro e procurei me distrair olhando pela janela. Na esquina oposta à igreja de São Manoel pude avistar a bodega de Agnaldo Nunes, já de portas fechadas àquela hora. De outras vezes, quando retorno do Centro a pé, encosto-me ao balcão desse meu amigo para descansar as pernas e botar a conversa em dia. Geralmente chego sem fôlego e sem assunto.

Aos trinta e sete anos, embora pareça absurdo, tenho a nítida sensação de que a minha juventude começa a esvair-se. Daí a dificuldade para reaver o fôlego extraviado ao longo da avenida. Porém Agnaldo, além de boa-praça e poeta bissexto, é ótimo conversador. Dá-me notícia de tudo o que se passa nesses inferninhos intelectuais.
Não entendo como consegue manter-se tão informado sem desvincular-se daquele balcão. Aponta-me um tamborete junto à parede e a crônica da cidade me é relatada com riqueza de detalhes, aqui e ali interrompida por algum freguês que chega para comprar.

É um tipo simpático e muito cordial. Logo que me vê subindo a calçada, o poeta bodegueiro se antecipa:

— Opa, rapaz! Eu estava mesmo esperando que você aparecesse. Já sabe da nova?

Preciso visitar Agnaldo Nunes.

domingo, 18 de novembro de 2007

CAPÍTULO I

Dedico este livro à memória de Vicente Ferreira de Sousa,
meu honrado e extremoso pai, que me soube explicar
os riscos da palavra e as vantagens do silêncio.
A Marilda Pereira de Sousa (minha mãe)
e a cada um dos meus oito irmãos.


“O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.”
(Gregório de Matos)


Tive ainda que esperar por quase uma hora na parada do Hotel Caraúbas. Só então é que apareceu a lata velha que me trouxe a este subúrbio. Retirei da carteira a última cédula que me restava — uma nota de cinco reais. Paguei a tarifa de um e cinqüenta e o motorista me deu o troco em moedas de variados tamanhos e diferentes valores.

O carro avançou na Murilo Rosendo, pegou a Mário Negócio e cruzou o semáforo da Geraldo Rosendo. Daí seguiu na Marechal Deodoro até manobrarmos na Prudente de Morais. Logo em seguida atravessamos a Alberto Maranhão e o ônibus enrolou à esquerda na Juvenal Lamartine. Esquivei-me entre os passageiros e me dirigi às cadeiras no fundo do veículo. Acomodei-me nos últimos bancos, preocupado com evitar que me vissem os ferimentos do braço. Tentava relaxar. Inclinei-me para a frente e escancarei as duas janelas que tinha ao meu alcance.

Na Juvenal Lamartine, assim que o veículo fez a curva, avistei a maternidade Américo Rosendo. Três quarteirões adiante estava a clínica Olívia Rosendo. Na Augusto Severo com a Rio Branco, bem próximo à Estação das Artes Irineu Rosendo, reluz o monumento de mármore do Teatro Municipal Demóstenes Rosendo, uma suntuosa homenagem ao prefeito que governou este município durante quatro mandatos.

Como vêem, há pouca coisa em Mossoró que não seja Rosendo. O eminente antropônimo aparece ainda em pelo menos duas dezenas de escolas, prontos-socorros, ginásios de esporte, casas lotéricas, postos de combustíveis, centros culturais, avenidas, ruas e praças.

A rodoviária da cidade, que um dia chamou-se Esaú Fernandes, agora é Hilário Rosendo. O mesmo se deu com o aeroporto, que deixou de ser Anchieta Vasconcelos para tornar-se Diogo Rosendo. Um conjunto habitacional construído na zona leste, com dinheiro do povo e para o povo, foi inaugurado numa noite como 30 de Setembro, mas já pela manhã o haviam convertido em Vasco Rosendo.

É o puro e simples critério da manutenção e da expansão do mito Rosendo numa terra que eles próprios apelidaram de País de Mossoró. Pois esses Sardanapalos da grande família Rosendo têm essa fome ancestral por homenagens. Na zona oeste, assim que tiveram início as obras de construção de uma faculdade particular e do badaladíssimo Mossoró West Shopping, a remota e esquecida ruazinha Felipe Francelino de Oliveira foi logo transformada (com urgência urgentíssima) em rua João Rosendo da Escócia. Até o vizinho município de São Sebastião, com cerca de quinze mil habitantes, foi rebatizado com sobrenome Rosendo.

Não está longe o dia em que mudarão o nome de Mossoró em Rosendópolis. Pois tudo gira em volta dos Rosendos. São os donos do passado, do presente e do futuro. A história local é escrita conforme o gosto e o consentimento da família Rosendo.

Em junho último, por exemplo, numa autêntica demonstração de puxa-saquismo e sem-vergonheza, o descarado professor Araripe Cassiano, notório lambe-botas da família Rosendo, assombrou o meio intelectual mossoroense com uma ‘descoberta’, no mínimo, estapafúrdia. De acordo com a ciência de berliques e berloques do referido baba-ovo, o velho patriarca Juvêncio Rosendo teria liderado uma das trincheiras que resistiram ao bando de Lampião quando do seu ataque a este município, fato acontecido aos treze de junho de mil novecentos e vinte e sete.

Conversa fiada!

Todo mundo sabe que Juvêncio Rosendo arrepiou carreira de Mossoró (rumo ao litoral) tão logo fora informado da invasão. A menos que tenha organizado a tal trincheira em alto-mar, a salvo dos punhais e da fuzilaria dos cangaceiros. Além disso, segundo rumores que se arrastam desde aquela época, Virgulino só teria posto os pés em Mossoró com o único intuito de matar o então prefeito Rodrigo Fagundes, a mando de Juvêncio Rosendo. Olhando por esse lado, portanto, a famosa exigência de quatrocentos contos de réis que o intrépido bandoleiro fizera ao prefeito, para que a cidade não fosse invadida, torna-se bastante questionável.

Certa feita, durante uma solenidade na Academia Mossoroense de Lesmas, o pesquisador Pinto Miranda, que ocupava o cargo de diretor do Museu Municipal Abílio Rosendo, abordou o assunto:

— Essa história dos quatrocentos contos de réis — exclamou o pesquisador entre os colegas de imortalidade — é pura cascata, um ardil astutamente elaborado por Juvêncio Rosendo para desviar a atenção do público! Tenho em meu poder uma série de documentos que comprovam que o velho Juvêncio, por intermédio do cangaceiro Massilon Benevides Leite, contratou Lampião para dar cabo de Rodrigo Fagundes.

No dia seguinte o Palácio da Sonolência (sede do desgoverno municipal) nomeava um novo diretor para o Museu Abílio Rosendo.

É verdade que não se pode confirmar a teoria de Pinto Miranda, posto que até hoje a suposta documentação por ele referida permanece incógnita, entretanto ninguém garante que Juvêncio Rosendo não tenha culpa no cartório. O certo mesmo é que daí para cá, com o declínio político dos Fagundes, instaurou-se o mandonismo e a supremacia dos Rosendos. São os donos de tudo, craques do arrivismo e da demagogice. De cada dez empregos surgidos em Mossoró, onze pertencem à família Rosendo, que determina quem fica e quem não fica desempregado na terra de Santa Luzia.