sábado, 1 de dezembro de 2007

CAPÍTULO III

Desci na parada em frente ao escritório da Varig. Estudei por algum tempo o fluxo dos automóveis e atravessei. Vim com passos malseguros, claudicando pela Rui Barbosa. Dali até o Beco da Lamparina, no bairro de Pedregulho, levaria mais quinze minutos.

Na esquina do educandário Arco-íris, bem defronte ao terreno em que a meninada costumava bater uma bolinha nos finais de tarde, deparei-me com o gigantesco outdoor da prefeitura, que não estava ali quando passei pela manhã. Na fotografia, com ar de boazinha e sorriso teatral, a prefeita Gioconda Rosendo pegava carona na propaganda de uma obra a que vergonhosamente intitularam de Praça Qualquer-Um-Rosendo.

— Palhaçada!

Meu sangue ferveu e custei a crer no que meus olhos viam. Era a mais nova presepada, a mais nova troça, a mais nova chacota dos Rosendos contra o povo de Mossoró. As máquinas da Secretaria de Urbanismo e Obras já haviam iniciado a terraplanagem e uma fileira de tapumes se tinha erguido numa das margens da rua paralela.

Num período de oito a dez meses, conforme li no imenso cartaz, a tal Praça Qualquer-Um-Rosendo há de ser concluída. Foi a maneira (nada democrática) que a senhora Gioconda Rosendo encontrou para prevenir a todos que aquela obra está oficialmente destinada a servir de homenagem a mais um integrante de sua família.

Eleita sob o signo da leviandade partidária, à custa da bandalheira e da negociata, dona Gioconda é o máximo exemplo do embuste, uma piada de mau gosto. Do ponto de vista técnico, a risonha e risível mulher apresenta o mesmo senso administrativo de uma samambaia. Seu quociente de inteligência é duas vezes inferior ao da mula-sem-cabeça.

Não há na cena política do Estado personagem mais obtusa. Enquanto alguns indivíduos recorrem à cirurgia de redução de estômago para evitar complicações perante a balança, a prefeita de Mossoró parece ter optado pela redução de massa encefálica. Não bastasse isso, a Excelentíssima tem uma assessoria de comunicação que é uma lástima. Logo no seu discurso de posse, querendo afetar humildade, a infeliz oradora declarou:

— Eu sou uma prefeita ninfeta!

Tadinha, a Brooke Shields mossoroense queria mesmo era dizer neófita. Então, a começar pela autoridade máxima deste município, não será difícil avaliar-se o nível intelectual dos que dominam política e financeiramente esta cidade.

Súcia de parasitas!

Nunca ofereceram a esta terra sequer um único nome de que realmente pudéssemos nos orgulhar. Mesmo nascidos em berço de ouro, estudando sempre nas melhores escolas e galardoados com o turismo internacional desde criancinhas, jamais um Rosendo saído destes confins conseguiu ultrapassar os umbrais da própria mediocridade.

Todos, de um modo ou de outro, se especializaram apenas em tirar vantagem da condição política de que a família sempre se beneficiou. São mestres em dilapidar o patrimônio público, em trair o povo humilde, em se nutrir da boa-fé das pessoas feito uma praga de gafanhotos que se precipita sobre uma plantação de milho.

Sim. Exatamente.

Jamais nenhum Rosendo notabilizou-se além fronteiras potiguares como um artista importante, um escritor consagrado, um poeta de escol, um ator famoso, uma atriz de renome, um atleta campeão, um prócer da ciência, um gênio da raça... Não. De jeito algum. Porque só aprenderam mesmo foi a arte de roubar, de mentir, de enganar, de fingir, de corromper. Nunca trouxeram à luz um grande esteta, um bom filólogo, um beletrista, um ás da física, uma glória da música, um talento nacional.

Nada!

Ao invés, preferiram a vida fácil das sinecuras, o regaço do nepotismo e o torpe mister dos colarinhos-brancos. Porque são todos ladrões, exímios picaretas, sanguessugas descarados, formadores de quadrilha, assaltantes da dignidade e da esperança de toda uma gente.

É dessa casta deletéria que provém Gioconda Rosendo. Ei-la debruçada sobre as questões do executivo municipal com a mesma desenvoltura e eficiência com que uma mula coiceira desfilasse sobre uma pista de gelo. O pior é que ninguém parece dar a mínima para os coices e relinchos da senhora prefeita. Os Rosendos degeneram a olhos vistos, mas não soltam as tetas do erário. Até porque não existe oposição. Sequer há resistência. Mossoró é uma terra sem lei, sem ordem e sem progresso. A demagogia, os subornos, a politicagem e o nepotismo prevalecem.

Aqui e acolá, como querendo certificar-se da própria inutilidade, o Ministério Público faz vista grossa, emite uns resmungos, mas termina por enfiar o rabo entre as pernas. A OAB local, espécie de prostituta dos Rosendos políticos, também prevarica. É que metade dos seus sócios está na folha de sinecuras do município. De resto, infelizmente, ninguém diz um pio. A imprensa toda rodando a bolsinha na calçada da prefeitura. O reitor Cláudio Manso atolado na desfaçatez. O edil Júlio França comendo bola na Câmara. Padre Dionísio cuspindo o microfone da rádio.

Magote de venais!

— Eu sou uma prefeita ninfeta!

E houve quem aplaudisse.

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